"Não canso de dizer: o ballet é a minha segunda pele".

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Encontro de Almas...




Onegin – A arte do movimento de um pincel sobre pontas

“Eugene Onegin”, sem dúvida é um dois mais belos momentos de inspiração na criatividade do compositor russo Tchaikovsky. Baseado no poema de Alexander Pushkin, que conta uma história romanesca do final do séc.XVIII na Rússia. De conteúdo altamente dramático, Tchaikovsky, retratou uma realidade particular, porém de forte identificação pessoal ao espectador.
Uma realidade passada em dois momentos: A vida no campo e mais tarde, numa grande cidade.
Seria o paradoxo da ingenuidade sentimental que se choca com a arrogância frívola?!
“Eugene Onegin”, é uma obra do sentimento. Uma retórica da consciência na liberdade individual trazendo a tona, o sentir de cada personagem, pois todo pensamento acompanha um sentimento.
Tchaikovsky, ao ler o poema de Alexader Pushkin, identifica sua própria realidade. Um ser humano que veio com o propósito de missionar à humanidade uma espécie de auto - entendimento. A música de Tchaikovsky é o percurso íntimo no interior de cada ser. É a luz e sombra que comporta e convive no aprisionamento corporal que todos temos, mas nada impede que pairemos como seres libertos através da sua melodia. Esse missionar de liberdade é a proposta visceral na música e na história contada por seus personagens.
Em uma época de grandes mudanças, onde predominava um forte sentimento nacionalista, Tchaikovsky não se limita a padrões enérgicos de patriotismo, sua liberdade de compor é resguardada, sem perder a noção ética aos seus compatriotas que buscavam libertar-se dos moldes da música ocidental e retornar ao folclore russo.
A temática do drama gira em torno de: Onegin, Tatiana, Olga, Lenski e o Príncipe Gremin.
Tatiana é uma jovem, cuja principal característica não está em ser sonhadora, mas na pureza de coração. Seu temperamento é maduro e reflexivo, pois sua realidade, não está no externo, mas no interior de cada pessoa de seu convívio, por isso, não se incomoda com as “provocações” de Olga, sua irmã e de suas amigas. Tatiana não percebe o que está a sua volta como imediato e definitivo. Ela consegue separar o efêmero do verdadeiro, daí tanto sofrimento e sensibilidade.
Olga possui um temperamento oposto, é impulsiva, agitada extrovertida.
Em sua casa de campo recebem a visita do poeta Lenski e de seu amigo Eugene Onegin, homem arrogante e frio. Enquanto Lenski seu amigo de temperamento doce e cordial declara seu amor por Olga, Onegin permanece distante em relação à Tatiana, que se sente atraída por uma personalidade tão misteriosa e intrigante como a de Onegin, e isso lhe dá coragem de escrever-lhe uma linda carta de amor.
Durante um baile oferecido pelo aniversário de Tatiana, Onegin corteja Olga para se vingar das observações desagradáveis que ouve a seu respeito. Furioso, Lenski provoca-o a um duelo. Ao amanhecer, Onegin mata seu amigo.
Anos mais tarde, numa festa na casa do Príncipe Gremin, Onegin reconhece uma mulher resplandecente. É Tatiana! Esposa do Príncipe Gremin. Este, radiante de felicidade e o recebe com todas as honras.
Onegin, revê o seu passado tão hostil e constata um presente vazio. Mesmo assim, seu fascínio por Tatiana o faz declarar seus sentimentos ainda trazidos do passado. Tatiana não nega sua paixão por Onegin, mesmo porque em sua transparência não conseguiria negar seus sentimentos, ao rever o grande amor do passado, mas reconhece que vive outra realidade. Casada e feliz ao lado de um homem que a ama, onde existe a reciprocidade de um sentimento mais maduro. Numa atitude definitiva e dolorosa, manda Onegin embora. Esse se afasta desesperado.

Ópera e Ballet: duas formas distintas de contar uma linda e comovente história de amor.
O coreógrafo John Cranko (natural da África do Sul – Rustenburg, em 1927 e faleceu em 1973) cria para o Ballet de Stuttgart - ONEGIN . que estreou no Brasil em 1979.
Em 2003 entrou para o repertório da Companhia de Ballett do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com reapresentação em 2004 e agora em 2006.
John Cranko, dá continuidade idéia de Tchaikovsky através da arte do movimento, criando genialmente um desdobramento virtual.
Onegin é um ballet de grande força teatral, pelas linhas e desenhos coreográficos comoventes na sua comunicação. Despertando a dramaticidade teatral de bailarinos, que contam de forma magistral este drama de sentimento.
A música rompe com um vigor de alegria entre metais e percussão, retratando o modo de vida de cada personagem.

Ao abrir da cortina, dois “mundos”, são apresentados em expectativas distintas.
Tatiana, uma imagem límpida do sonho e do romantismo: Uma jovem que mantém seus pensamentos introspectivos, sublimados, todavia sua irmã Olga destaca-se pela irreverência, realista e de um temperamento alegre.
Tatiana, não se sente agredida pelo que está a sua volta, pois o que a fascina é o seu próprio interior, a sua leitura reflexiva, que a faz “voar” e sonhar muito mais alto e longe do que as brincadeiras divertidas, de Olga sua irmã e de suas amigas.
Com chegada de Onegin o tema musical modifica o que vinha sendo narrado entre brincadeiras e puro divertimento na vida do campo. O tema musical anuncia um teor sombrio, até mesmo contendo uma certa frieza.
No momento em que Onegin e Tatiana dialogam, a música de Tchaikovsky reproduz uma grande expectativa por parte de Tatiana. Seus pensamentos divagam na tentativa de penetrar no interior daquela figura altiva, ao mesmo tempo hostil. Sua intimidade se identifica com esse mistério e contagia o espectador. Compõe-se um quadro de luz e sombra na sublime interpretação da primeira bailarina do Theatro Municipal - Cecília Kerche, na personagem Tatiana. Cecília se deixa levar pela música de Tchaikovsky na pintura desse quadro de luz e sombra. Sobre pontas, a bailarina empresta sua sensibilidade para ir pintando a imagem do interior da alma do compositor, Cecília Kerche percorre o mundo de sombras, mas sua arte ilumina o sentimento de Tatiana. Seu coração resplandece desejo de uma possível felicidade.

Cristiane Quintan, sua alegria e emoção ao viver a personagem Olga. Um temperamento extrovertido e alegre à bailarina de temperamento sorridente e de bem com sua arte. Cristiane e Olga se revezam, numa jovialidade “inconseqüente” e provocação adolescente. Numa qualidade bela extravagante de rebeldia romântica interpretada por Quintan.

O Corpo de Baile compõe esta linda festa, nos brindando com suas exímias diagonais, engrandecendo todo o espetáculo transportando o ambiente para a tela mental do espectador, que viaja para a época do folclore russo, deixando-se levar pelo entusiasmo e pela vibração contagiante.

A visita de Lenski - Vítor Luiz acompanhado por seu amigo Onegin. É a entrada triunfal esperada na vida de um primeiro bailarino - uma aparição em cena de grande expectativa para o público que já conhece a sua grandiosidade clássica. Vítor Luiz é um orgulho nacional, onde talento e arte transpiram categoria e simplicidade. Um personagem feito para ele. E ele o defende, apresentando sua técnica com toda dignidade que se espera de um primor de total nobreza: Um momento de dor e solidão, em que a música narra a melancolia, na sonoridade das trompas e na tristeza do oboé. O que estará por vir no destino desse poeta? O poeta Lenski possui um temperamento bem humorado, doce, às vezes lacônico. Sonhador no momento certo, galante e sedutor na medida exata. Acima de tudo leal, assim é o bailarino Vítor Luiz na sua profissão. Um artista leal na sua convicção de amor pela dança. Um poeta também na arte do movimento. Lenski sofre, se despede da vida independente do seu destino, pois jamais pensaria num desfecho trágico do seu amor por Olga e sua amizade por Onegin.
Vítor Luiz, responde com sua arte em melancolia e desencanto da própria vida. O poeta Lenski se despede, o intérprete Vítor Luiz perpetua seu talento em nossos corações.
Onegin é a sombra de um ser humano egocêntrico e hostil. Incapaz de corresponder à docilidade de um sentimento puro, porque somente conhece a frieza da sua arrogância. Sua personalidade, reproduzida pelas cordas: Cellos , violinos e a sutil fatalidade conduzida pelo solo da flauta, mantendo sempre o clima sombrio.
Francisco Timbó na figura de Onegin transmite a segurança de um artista experiente e dedicado ao seu trabalho. Onegin é hostil, conflituoso. Não entende o significado de um amor puro verdadeiro, intenso somente a dor o torna mais sensível, numa condição em que a vida e o tempo não voltam atrás. Francisco Timbó tem total consciência desse amargor de seu personagem e faz memória ao público que acompanha sua carreira vivenciando personalidades marcantes, com a dedicação emocionada de um artista por sua arte.
Tatiana é a personalidade que Tchaikovsky admira, por sua coragem e ingenuidade, pois o amor é ingênuo e essa personalidade se funde na persona da Primeira bailarina – Cecília Kerche. Sua elegância clássica é um talento, que desperta admiração e reverência, pela categoria inigualável de sua arte, assim como Tatiana. Uma jovem, que não apenas escreve uma carta de amor, mas a coragem de uma mulher apaixonada, que não mede as conseqüências do seu ato.
Tatiana, ao se ver no espelho percebe a dimensão do seu sonho, que adquire uma realidade palpável no momento dramático da orquestra; Cecília responde a essa emoção, que conduz a temática do drama, desfrutando da força interpretativa da bailarina. Um momento forte, de vibração tênue, ao mesmo tempo arrojada. É a sensibilidade estética de Cecília Kerche que vem à tona em ballets fortes como Onegin. Cecília reúne: emoção, interpretação e movimento, numa forma lúdica em que a platéia recebe e decodifica como arte=beleza.
Tempos depois o drama de Pushkin, dá uma resposta à vida.

O príncipe Gremin interpretado por Carlos Cabral, um partner de natureza clássica, um bailarino que ama a sua arte, com o mesmo respeito e felicidade que seu personagem nobre tem por sua esposa Tatiana.
Que grande emoção alicerçada pelo teor musical romântico, melancólico que resulta num misto de força entre paixão e amor. É a maturidade artística de uma das principais bailarinas internacionais, amparada pela correspondência clássica de um bailarino de arte refinada, uma delicadeza suave respeitando a sua liberdade de movimento. É o cortejar musical triunfante da nobreza e da sensibilidade de Carlos Cabral, que docemente se entrega à realeza instintiva de Kerche.
A Obra de Pushkin adquire uma capacidade verídica não apenas por falar de “sentimento”.
O sentimento de decepção de Tatiana em relação a Onegin logo após a tragédia de vê-lo matar o noivo de sua irmã, recai sobre ele o ressentir de um passado, onde acumulou vazio e em seu presente, remorso.
Tatiana ao rasgar a carta de Onegin rompe com a platéia toda dor de um passado que ela não tem como apagar.
O chamado – “Leitmotiv” criado por Wagner, não aparece formalmente na música de Tchaikovsky, Todavia, entre a forma lúdica e genialidade na execução, interfere na criação do compositor que se deixa levar pelo “Leitmotiv” composto na construção da personagem Tatiana – e é Cecília Kerche quem reconta e conduz este drama. Sua estrutura de identificação sensível à personagem é tão verídica e harmonicamente tão bem assimilada que ultrapassa a formalidade musical de Tchaikovsky, criando uma identidade de força e romantismo. Já não presenciamos apenas a história apaixonante de Tatiana, mas a vivenciamos na liberdade artística criativa no suavizar de um pincel sobre pontas, na tela do imaginário do espectador, que contempla com emoção a arte de Cecília Kerche.



Wellen de Barros
17/11/06

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