"Não canso de dizer: o ballet é a minha segunda pele".

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Homenagem especial...


Cecilia Kerche – A lágrima de Tchaikovsky no movimento
A temporada do ballet “O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky contou com a experiência e sensibilidade da bailarina e coreógrafa russa - Yelena Pankova d’après Marius Petipa e Lev Ivanov.
Numa proposta mais etérea, onde a metamorfose do compositor da obra no personagem de Odette/cisne, busca a força representativa do corpo de baile durante todo tempo, culminando no imaginário coletivo a que se propõe Tchaikovsky na figura de Odyle.
Uma estréia memorável, seguindo a tradição dos grandes teatros internacionais, principalmente na delicadeza e sensibilidade de seus idealizadores, ao homenagear três personalidades do ballet brasileiro e internacional: Aldo Loutufo, Bertha Rosanova e Cecília Kerche.
Um bonito programa de homenagem distribuído logo na entrada do Teatro, oferecendo ao público uma rara oportunidade de testemunhar o reconhecimento de um trabalho digno e que dá muito orgulho aos brasileiros.
Uma platéia feliz, artistas que vieram prestigiar, recordar, abraçar seus amigos artistas do palco e mais o público anônimo fiel, verdadeiro responsável pelo reconhecimento de seus ídolos.
Um elenco de solistas e corpo de baile, fazendo eco a seus colegas homenageados.
Marcelo Misailidis que, na interpretação carismática do feiticeiro Von Rothbart, é o manifesto claro e ao mesmo tempo simbólico do poder manipulador. Uma presença de admiração e hostilidade.
Rodrigo Negri, num virtuosismo cômico e solitário do seu personagem, é a imagem nítida do “bôbo” da Corte, muito atual.
Com a dignidade de um lord, Vítor Luiz na sua interpretação ilumina, o destino de Sigfried, seu personagem - um jovem fragilizado pela imponência de uma família aristocrática. É um talento clássico, natural a um primeiro bailarino, com movimentos precisos e a suaves no acabamento da sabedoria dos deuses...
Uma nobreza límpida trazida extra-palco, que auxilia seu personagem no encontro da maturidade interior. Esta maturidade de sentimentos de Vítor Luiz, resulta na audácia da entrega ao seu personagem, numa sinceridade tardia, porém remediável a seu arrependimento, para encontrar a verdadeira felicidade, ultrapassando a morte.
Simplicidade, beleza, talento e determinação, alguns atributos indispensáveis a carreira de um verdadeiro “príncipe” guiado pela corte celeste.
Para celebrar uma noite de homenagem, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, ninguém melhor do que o mestre romântico, Tchaikovsky para com sua sensível genialidade em decodificar a alma humana, nos fazer refletir, sonhar, emocionar e transformar-nos.
O Theatro, para tanto, conta com a presença de sua diva maior - Cecília Kerche, considerada melhor intérprete de Odette/Odyle nas últimas décadas. Compositor e intérprete se complementam num mundo pessoal e coletivo, transfiguram a própria divindade.
Era muito comum na época de Tchaikovsky haver uma espécie de parceria entre compositor e coreógrafo. Aqui, porém, estabeleceu-se mais do que uma parceria entre compositor e bailarina. Firmou-se uma identidade intransponível.
A performance de Cecília Kerche, ao interpretar as personagens Odette/Odyle, faz brotar nos olhos do espectador a lágrima de Tchaikovsky através da sua emoção.
É a liberdade interior do ser humano. Cecília Kerche que conduz uma espécie de auto-revelação do compositor, compreendida de forma natural pelo público, que presencia esse diálogo, tão particular: A dor conflituosa do aprisionamento humano pessoal, de Tchaikovsky e a emoção de Cecília.
O lirismo da sua personagem Odette, lindamente descrita por um belo fraseado musical visível através de seus movimentos, faz-nos entender a plumagem da ave incorporada a uma tristeza secreta de sua alma de cisne.
É a metáfora do ser humano solitário cercado de angústia e medo.
Essa mesma liberdade interior da intérprete capta o universo imaginário coletivo que Tchaikovsky expõe sobre poder e manipulação, onde sedução e arrogância dão lugar a egoísmo e arrependimento.
Na personalidade de Odyle compreende-se o arquétipo de dualidade existente no ser humano. A sensibilidade da artista/bailarina, surpreende com a clareza formal e inquietante do simbolismo psicológico, que é narrado através do virtuosismo de máxima intensidade expressiva por sua dramaticidade.
Assistimos a um diálogo entre almas, num profundo entendimento da busca de sentido entre liberdade interior e aprisionamento humano. Metamorfose pessoal em poesia musical, narrada em grau de excelência na arte de Cecília Kerche – a lágrima de Tchaikovsky no movimento.
Wellen de Barros


20/09/06



*publicado no site http://www.elianacaminada.net/

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