Cecília desde muito cedo conviveu com a realidade de um país em crescimento, onde se sonhava em adquirir conhecimento para formar opinião.
Sendo seus pais professores, conviveu muito de perto com a busca do saber, saber este que sempre apontou para os valores essenciais da vida.
Não é muito difícil notar em Cecília uma extrema capacidade para viver as virtudes humanas, como por exemplo a constância – que é a capacidade de se vencer nas pequenas coisas do dia a dia; a generosidade – que é a capacidade de se preocupar com o outro; a laboriosidade – que é a capacidade de exercer um trabalho bem feito.
Esta foi sempre a temática de sua família, alicerçada no grande potenciador que é o amor , passado aos filhos por seus pais. Esse caminho a ajudou ser uma das principais profissionais no ramo da dança a nível mundial e sobretudo, a não se deixar arrastar pelo efêmero.
- “Meus Pais sempre tiveram muita dificuldade para “ bancar ” meus estudos de dança, mas foi graças a essa dificuldade que aprendi a valorizar minha profissão e o profissional da dança. Até hoje, minha mãe não se comporta como mãe de artista... Aliás, gosto muito desse padrão, porque é o que me norteia a estar sempre dentro da realidade. Sei separar “ tietagem “. de uma amizade sincera, e devo isso à educação que recebi dos meus pais. Minha mãe nunca foi de elogios. Ela me prestigia, porém sempre com muita sobriedade em relação ao meu trabalho. É uma grande educadora...
Recordo que um dia reclamei sobre a variedade da comida à mesa, pois havia apenas era banana frita, feijão e arroz. Minha mãe respondeu: - “Você está reclamando ? Meus alunos comem pano de refeição. “
Nossa ! Aquela resposta foi uma lição para toda vida. Já imaginou comer pano no almoço? Aos 15 anos tive a sorte de conhecer Pedro Kraszczuk, fabricante de sapatilhas e também bailarino e que me incentivou muito. Acabamos casando e estamos juntos há 23 anos. É ele quem cuida da minha carreira. Eu estudava ballet desde os 8 anos, mas foi aos 15 que comecei a dançar mesmo. Pedro patrocinou as sapatilhas e custeou meus estudos ”.
Característica natural na interpretação de Cecília Kerche é essa elegância clássica, porque é algo que reflete a sua alma, seu modo de ver o ser humano como um todo. Quem convive de perto com essa profissional percebe sua escolha pelo essencial, nada é visto aleatoriamente.
Na arte de Cecília Kerche se pode encontrar uma magnitude de movimentos cuidadosamente elaborados com o requinte de uma expressividade suave inundando o universo pessoal do expectador. Sua interpretação comunica porque transmite verdade e transmite verdade porque realiza.
É alguém que transforma a angústia de seu personagem em algo transcendental, pela magnitude de movimentos cuidadosamente elaborados a cada nota, libertando através de sua arte o universo individual de quem a assiste. Expõe sua verdade íntima com a maturidade de uma diva , somada ao requinte e elegância pessoal de uma grande intérprete.
Entretanto, nem tudo foi sempre colorido na vida dessa intérprete internacional . É ela quem diz::
“A gente não passa ileso por essa carreira, que tem a sua maravilha, a sua magia, mas também tem a parte dolorida. O artista, assim como o atleta, aprende a encarar as lesões como parte do trabalho. Não há, ganho sem dor”. (...)
É a simplicidade madura dessa profissional que consegue através das circunstâncias da própria profissão
extrair sentido a cada dificuldade ultrapassada.
Quando não está atuando, Cecília gosta das coisas simples da vida como ir ao cinema, ler, bordar, cozinhar. “Sou uma pessoa à moda antiga”, confessa.
Essa pessoa “ à moda antiga “, como ela mesma se define, não se deixa arrastar pelas opiniões dos pseudo- entendedores da arte da dança. A profissional determinada ,objetiva valores nobres onde o respeito a seus colegas vem em primeiro lugar. Como ela mesma diz – “ O Sol brilha para todos.”
Cecília não se angustia mais com a carreira uma vez que o reconhecimento internacional e , principalmente no seu país, lhe dão a serenidade e segurança de missão cumprida que os vitoriosos merecem desfrutar. Ela se considera uma bailarina à moda antiga, cuja arte resiste ao tempo e se aprimora com ele.
- “Claro que o trabalho ideológico nunca estará concluído, mas estou deixando pelo menos uma esperança para esta geração e as gerações que virão. Uma esperança- já concretizada, de que é possível fazer arte, ballet no Brasil, uma vez que sou de escola exclusivamente brasileira, nunca estudei em outro país. Quando viajei, foi para dançar em 17 companhias estrangeiras, em mais de 20 países. Fui como convidada e não para aprender. Tudo que aprendi foi aqui no Brasil ”.
É a afirmativa emocionada e resoluta, desse ser humano de temperamento apaixonado e emotivo.
- “Para que o Brasil seja referência na arte de dançar é necessário que o trabalho se inicie nas escolas. Existem muitos problemas nas escolas de dança porque muitas pessoas abrem uma academia sem ao menos ter cursado uma escola. Este é um dos problemas a que me refiro, mas também há outra realidade: estamos exportando bailarinos competentes. Isto é bom para o Brasil porque estes bailarinos divulgam bem a nossa imagem no exterior, mas ao mesmo tempo é ruim, porque o nosso país fica sem estes profissionais. O profissional da dança em nosso país ainda enfrenta a dificuldade do campo de atuação, pois em linguagem oficial, temos em todo país apenas cinco Companhias oficiais o que restringe de forma radical a vida desses profissionais. Devido a esta realidade, muitos bailarinos não fazem a dança clássica. Todos estudam esta técnica no início da carreira, mas depois acabam fazendo dança contemporânea, embora a vontade inicial fosse ser uma princesa ou um príncipe de um ballet de repertório”.
O nome Cecília Kerche é também grife internacional de artigos de dança. Essa marca de produtos é considerada uma das cinco melhores no mundo, o que reforça o cuidado e o profissionalismo esmerado dessa personalidade brasileira. É tão sensível a novos ideais que resolveu ampliar seus conhecimentos e cursar Moda.
O filósofo Platão nos faz refletir quando afirma que o belo é o esplendor do verdadeiro e do bem. Assim se pode concluir segundo Ana Sánchez de la Nieta, que a elegância é a adequação do atraente com a forma pessoal de ser, de pensar e de agir. A beleza é a estética do bem. Essa sensibilidade estética tão característica na dança de Cecília Kerche, nada mais é que o reflexo da temperança, coragem, prudência e justiça, virtudes cardeais descobertas pelos gregos muito antes da era cristã, onde a unidade de vida pode-se tornar um conceito estético porque reside na coerência. Essa é uma qualidade que Cecília não abstrai da sua vida.
Sente-se muito feliz quando vê alguém usando uma camiseta ou outro produto que contenha estampada a sua imagem . “ É um sinal de que o público está reconhecendo o meu trabalho, quando as pessoas percebem que tenho um enorme amor à dança”.
Um de seus sonhos é ver o Brasil como um dos centros mundiais de produção de dança.
Qual sentido se pode atribuir a arte em nossa vida, nessa linguagem de comunicar o invisível, através da verdade pessoal do intérprete, que utiliza sua totalidade física para chegar ao expectador ?
Seria a arte uma aliada do ser humano?