O modo de sentir espiritualizado de Giselle, identifica-se com a sensibilidade da intérprete em sua personagem predileta.
O ballet Giselle contribuiu de forma definitiva para a história do ballet. Cecília Kerche,como parte integrante da história do Theatro Municipal do Rio de Janeiro contribui como um marco na arte do ballet,sendo a primeira bailarina no centenário deste Theatro.E isto somado ao título de Embaixatriz da Dança, por sua atuação nos principais Teatros internacionais.
“Além de toda responsabilidade que esse cargo impõe a uma Primeira Bailarina, particularmente penso que ser uma primeira bailarina é estar atenta às necessidades do seu corpo de Baile. Ser solidária a esse corpo de baile nas mais diversas situações, isso para mim também faz parte da minha função como primeira bailarina”.
Sua fama cruzou fronteiras de modo muito precoce, pois o mundo queria ver de perto essa brasileira de “coração eslavo” – como diria seu compositor favorito Tchaikovski, que tem marca inconfundível na arte dessa bailarina, porque poucas intérpretes entenderam de forma tão íntegra o saber transmitir o interior desse compositor russo.
“Penso que no ano em que completo 26 anos de profissão como primeira bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro ao falar dos inúmeros personagens que já vivenciei nesse palco, “Giselle” ocupa um lugar especial no meu coração. Não apenas por motivos pessoais de grandes e boas lembranças, mas pela força de sua personalidade. O amor que tenho pela dança e pelo Theatro Municipal equivalem à dedicação e entrega que Giselle é capaz de fazer para viver seu amor por Albrecht, e foi assim que sempre vivi para o ballet. Uma dedicação diária de estudo e descobertas que me fizeram perceber a grandeza da arte no ser humano, seus meandros, o quanto se deve e pode servir com arte no sentido pleno da palavra. O amor que tenho pelo Theatro é igual ao meu amor pela dança, por isso nesse centenário de 14 de Julho devemos como artistas refletir sobre o verdadeiro sentido de se fazer parte dessa casa
Quanto já celebramos? Quantos aplausos recebidos? Quantas histórias vividas?
Minha predileção por “Giselle” é seu desprendimento e modo de amar incondicional, pois acredito nesse amor que a arte provoca nas pessoas. Acredito no poder que a arte tem de fazer nascer novamente, transcender, transformar. Só a arte consegue essa mudança porque nos faz sair de nós mesmos.
Se você me perguntar o que sinto quando danço, não saberia responder- apenas percebo que é minha alma quem dança.Daí essa personagem tão misteriosa e ao mesmo tempo tão simples, como uma florzinha do campo. Cada vez que me preparo para viver esse papel aprendo um pouco mais. Creio que dançar “Giselle” seja a forma empírica de escutar a mim mesma, pois a mudança vem de dentro para fora. É preciso olhar para dentro se queremos enxergar o que está em volta.
Celebrar o aniversário do Theatro Municipal é um motivo de grande emoção para quem um dia se determinou a ser a primeira bailarina do Theatro mais importante do seu País. Também por fazer parte de um local por onde passaram as mais diferentes e importantes personalidades do mundo da dança.
Olhar para esses vitrais e ver minha história reluzir neles através do reconhecimento do público, isso é muito gratificante.”
Cecilia é Giselle na sua autenticidade e intensidade de encarar os fatos da vida.O poder transfigurador da arte conquista o interior individual e transforma-se em memória; assim sendo, para seu público, o ballet se define - antes e depois de Cecília Kerche.