"Não canso de dizer: o ballet é a minha segunda pele".

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Giselle - parte I


A ARTE TRANSFORMADORA

Giselle remete o espectador a refletir sobre o que diz Gustav Carl Jung, quando afirma que o artista não é uma pessoa dotada de livre arbítrio para buscar seus próprios objetivos, mas sim alguém que permite que a arte realize seus propósitos através dele.
Esse homem coletivo, narra o libreto de Gautier e Verony de Saint-Georges inspirada na popular lenda alemã que fala das Wilis – personalidades de jovens que vivem nas florestas com sede de vingança.
É uma história passada no século XIX, ,que faz contemporaneidade com o drama existencial da alma humana.

No 1º ato, é uma jovem camponesa que vive nos campos da Alsácia- França, apaixona-se pelo conde Albrecht, acreditando ser ele um lenhador chamado Loys. Albrechet por sua vez se encanta pela camponesa mas e não tem coragem de revelar sua verdadeira identidade que é noivo da Princesa Bathilde.

No 2º ato, Giselle aparece no chamado “reino das sombras”. Hilarion está de vigília na tumba de Giselle, mas foge apavorado pelas Wilis. Giselle ergue-se da sepultura para saudá-las.
Albrecht caminha levando flores até o túmulo de Giselle seguido por uma atmosfera envolvente do solo do cello na música de Adolf Adam que sensivelmente criou todo “clima” de dor e arrependimento. Albrechet percebe que seu amor por Giselle é muito maior do que ele soube demonstrar para com sua amada e não há mais nada que se possa fazer.
O vazio existencial toma conta de sua alma. Dia e noite, vida e morte se fundem numa só pessoa – Giselle.

A SONORIDADE NO MOVIMENTO

Uma forma pessoal de compor publicamente cada personagem, é o que se presencia na arte de Cecília Kerche. Uma linearidade, hora efervescente, hora contemplativa, particularmente arraigada a um temperamento psicológicamente adequado para vivenciar a história de “Giselle”.
Vítor Luiz na personagem de Albrecht, é a emoção de um talento num “danseur noble”. É possível ver na interpretação desse bailarino a complexidade sentimental interiorizada do seu personagem, à primeira vista, sem maiores comprometimentos. Um nobre bonito, que conquista com seu charme mais uma jovem..., mas será que Giselle, é para Albrecht apenas mais uma conquista ?
Ao que se pode notar, Vítor Luiz contribui, para esse dilema aparente de seu personagem, que se vê envolvido verdadeiramente por essa jovem camponesa. Todavia essa certeza de amor somente se concretiza quando não lhe é mais possível dizer à sua amada o quanto de fato ele a ama.
A contemporaneidade dos sentimentos, talvez uma espécie de solidão torne-se uma nítida certeza do drama existencial humano que prepondera no agir de um modo geral - a indiferença.





Albrechet caminha até o túmulo de "Giselle", Vítor Luiz expõe o seu personagem e destaca-se pela límpida técnica do seu "flutuar" passo a passo trazendo o resultado sombrio e desolado dessa indiferença passada ao "brincar" com os sentimentos de sua amada "Giselle".


Na música, o solo do Cello divide com Albrecht esse sentimento doloroso de desesperança e solidão.
Ali onde visivelmente seria impossível seu relacionamento com uma camponesa, sua dificuldade de assumir sua verdadeira identidade para Giselle, resulta numa tragédia que o faz rever seus sentimentos e atitudes. Sua dificuldade o leva a capacitar-se amar verdadeiramente, mesmo que tardiamente.
Albrechet ao se deparar com o amor que sente por Giselle - alguém que já não está mais presente é reconfortado pelo tom sobrenatural do sentimento do amor incondicional que Cecília Kerche dá à morte de sua persongem com sua interpretação.
No seu gestual, a clareza desprendida e envolvente ao oferecer flores ao seu amor Albrechet. É a forma viva que sua personagem encontrou para fazê-lo perceber concretamente que ele não estaria só para todo sempre. Nesse momento Albrechet sente a grandiosidade de sentimento que os une para eternidade e se deixa ser cuidado por Giselle.
A sonoridade no movimento de Cecília Kerche, é percebida por todos. É a sonoridade da alma da bailarina que nesse momento protagoiniza a história e dialoga com o espectador num diálogo da vida com a própria vida.
Presencia-se uma fusão entre "mundos" distintos, somente compreendidos através da arte. Assim sendo, justifica-se uma trajetória profissional impecável em grau máximo de excelência que não esta livre de sofrer "expiações" - felizmente passageiras - mas marcantes o suficiente, para trazerem o remédio eficaz da sabedoria em busca do entendimento, no livre diálogo da vida com a própria vida.


Cecília, sua "Giselle" é o espectro do amor que transcende toda adversidade. Uma obra mestra, na redenção de todos nós, ao compartilharmos da sua capacidade de produzir uma, arte transformadora.



Wellen de Barros
Abril de 2008

Um comentário:

Luiza Melo disse...

Isso sim e uma vedadeira história de amor, com muita emoção, e no fundo divertida, é espetáculos como esses que fazem falta no meu estado, no nosso país.