"Não canso de dizer: o ballet é a minha segunda pele".

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Entrevista - Folha on-line


17/07/2008 - 16h55
Leia entrevista exclusiva com bailarina que encantou Joinville
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CRISTINA BALDI Enviada especial da Folha Online a Joinville (SC)
O ar despojado não denuncia que, debaixo daquela roupa, vive uma bailarina clássica. Definitivamente, quem olha "o figurino do dia-a-dia" de Cecília Kerche nem imagina que está diante da grande bailarina, da "prima dona" do Balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Mas, quando ela começa a falar, a postura ereta e os trejeitos entregam o seu dom.
Guto Gonçalves/Divulgação
Cecília Kerche, 47, afirma que ainda tem entusiasmo para aulas
Cecília Kerche abriu o 26º Festival de Dança de Joinville e fica na cidade até o fim do evento, onde será jurada da Mostra Competitiva (com mais de 4.500 bailarinos concorrendo ao prêmio de melhor na sua categoria). Na cidade catarinense interpretou "O Lago dos Cisnes", no papel principal. Ela diz que, se não fosse bailarina, talvez fosse atriz, pois gosta de mexer com a emoção do público. E, no palco, realmente emociona.
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Folha Online- Você é considerada uma das melhores intérpretes de Odette/Odile, de "O Lago dos Cisnes". A que se deve essa reverência?
Cecília Kerche- Acho que é um conjunto de tudo, porque a técnica tem de estar a serviço da arte. É preciso destreza técnica para ter desenvoltura na interpretação.
Folha Online- O que é necessário para caracterizar estas duas personagens (a Odette boazinha e a Odile, a gêmea má)?
Kerche- O balé tem de começar criança. A gente se prepara a vida toda para talvez ficar no palco apenas dois minutos. Imagina dançar um balé completo. São vários anos de estudo, na sala de aula, na frente do espelho, escutando a música, para compreender o que Tchaikovsky [autor da trilha sonora de "O Lago dos Cisnes"] quis dizer. Basicamente é entender o que Ivanov e Petipa [autores da coreografia original] entenderam da música.
Folha Online- Em que medida a maturidade artística ajuda na interpretação desse papel e, por outro lado, o "peso dos anos" pode atrapalhar [a bailarina está com 47 anos]?
Kerche- Os anos de vida trazem a maturidade artística. Eu sou as alegrias, as tristezas e as decepções que vivi, e isso empresto para a minha dança. Já o peso dos anos, na parte técnica, sinceramente, ainda não sinto. Eu ainda hoje procuro a minúcia do movimento. Não a perfeição, que é utópica, mas o aprimoramento da forma de tombar a cabeça, por exemplo, de movimentar a mão...
Amir Sfair Filho/Divulgação

Bailarina Cecília Kerche, do Balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, encanta platéia em Joinville com "O Lago dos Cisnes"
Folha Online- Em tantos anos de bailarina profissional, você já dançou diversas versões de "O Lago dos Cisnes". Existe alguma que lhe toca mais, que foi mais importante?
Kerche- O primeiro e terceiro ato são sempre do Petipa e o segundo, do Ivanov. Geralmente é no quarto ato que o coreógrafo faz a diferença, a "criação pós-original". Para mim, a versão que mais me tocou foi a de Makarova [refere-se à coreógrafa russa Natália Makarova]. Foi o quarto ato mais lindo, mais poético, em termos de sentimentos. É pura poesia. Foi o que mais me preencheu, no aspecto da beleza, da tristeza, da emoção.
Folha Online- Passados mais de 130 anos da primeira versão, "O Lago dos Cisnes" ainda emociona muita gente. Por quê?
Kerche- Vou dar a minha opinião pessoal, não de bailarina. Acho que é pela magia de, desde criança, se imaginar a bailarina ideal como um cisne. E a música magnífica. Além disso, há a dualidade, isso persegue o humano: a luta do bem e do mal [referindo-se às personagens Odette e Odile].
Folha Online- Você é considerada uma das maiores intérpretes do cisne, mas há também algum balé predileto?
Kerche- O meu predileto é Giselle. Mas adoro "O Lago". Também gosto muito de "La Bayadère". A gente do clássico gosta de tudo, de tudo o que hoje é obrigatoriedade de todas as companhias clássicas.
Folha Online- O que você vê de diferente hoje na dança em relação a quando começou profissionalmente?
Kerche- Houve uma grande evolução técnica, mas há pouco incentivo ainda. São poucas companhias. A maior é a do Municipal do Rio de Janeiro, que dá ao bailarino a perspectiva de desenvolvimento artístico. É a única no país neste molde e precisa ser preservada. O balé do Brasil exporta muita gente, tem grandes valores, faz a diferença no cenário internacional. Temos um calor, uma energia que se nota a diferença.
Folha Online- Há alguém da nova geração que você considera que "promete"?
Kerche- Os nossos primeiros bailarinos (do Municipal): a Cláudia Mota, a Márcia Jaqueline, o Vitor Luiz, o nosso grande solista Renê Salazar, a Priscilla Mota. Temos inúmeros solistas de grande valia. O corpo de baile é feito da última até a primeira fila. Todos são importantes para em uma companhia clássica.
Folha Online- Existe algum lugar ou papel que você gostaria de ter dançado e ainda não realizou este sonho?
Kerche- Sim, sempre há, pois sou ávida por conhecimento. Mas eu destaco Manon, que tem a ver comigo. Seria interessante interpretar, por causa do meu estilo, meu temperamento. [A bailarina refere-se à obra de Kenneth MacMillan, com música de Jules Massenet, de 1974, cuja personagem principal é uma "femme fatale"].
Folha Online- Algumas grandes companhias brasileiras, como a do Guaíra (PR) e o Balé da Cidade (SP), têm um segundo grupo, em que os bailarinos mais velhos passam a desenvolver outro tipo de pesquisa. Você pretende fazer isso quando achar que não deve mais dançar balé clássico?
Kerche- Eu danço outros estilos em paralelo ao clássico. Mas o meu biótipo é de clássico. Faço algumas coisas neoclássicas ou contemporâneas. Se tiver um coreógrafo inteligente para entender meu físico e me entender, além de me tocar, eu danço. Não preciso deixar para depois.
Folha Online- Você pretende dançar até quando?
Kerche- Vou dançar até a hora que eu achar que está muito difícil. Não sei dizer quando. Quando eu tinha 25 anos, pensei que era até os 28; depois os 40. Vou dançar até ficar difícil de levantar da cama e dizer: puxa, tenho de fazer aula. Quando não tiver entusiasmo para isso. E, quando ficar difícil para mim, é sinal que para o público também.