"Não canso de dizer: o ballet é a minha segunda pele".

sexta-feira, 18 de abril de 2008

...Bailarina brasileira mais requisitada, para apresentações internacionais


Herman Piquinn voltam a dançar juntos em Joinville, abrindo a etapa competitiva do Festival de Dança. Os dois apresentaram "Pas Classique" (foto) em, 1997
Cecília Kerche,a bailarina cigana
Bailarina completa 10 anos de participações no Festival dançando "Esmeralda" com Herman Piquinn
Joel GehlenEditor do ANFestival
Que ruflem os pandeiros, quarta-feira é dia de Cecília Kerche que encarna uma cigana, como primeira convidada especial, abrindo a noite que dá início à fase competitiva do 17 Festival de Dança de Joinville. Cecília e o bailarino do Teatro Colon, da Argentina, Herman Piquinn, apresentam o grand pas-de-deux do balé "Esmeralda", uma peça de sangue ardente talhada à medida da alma e das pernas de Cecília. A apresentação começa às 19 horas no Centro de Eventos Cau Hansen.
Esta é uma noite especial que marca os dez anos do primeiro encontro entre Cecília e o Festival de Joinville, a bailarina comemora também, duas décadas de carreira internacional.
A primeira vez que dançou em Joinville, Cecília nunca esquece. Era uma noite fria de 1989. Ela estava no palco, com o grupo Studio D 1, de Curitiba, dirigido por Dora de Paula Soares, apresentando Odete, do segundo ato do balé "O Lago dos Cisnes" (Lev Ivanov/Tchaikovsky). Cecília foi uma nívea Odete, a raínha dos cisnes ,no lago escuro do linóleo improvisado no Ginásio de Esportes Ivan Rodrigues. Quando terminou a apresentação, Cecília recebeu 15 minutos de aplausos, o público só se contentou quando a bailarina, que já estava no camarim se trocando, voltou ao para uma para uma última despedida. A grande ovação repercutiu na imprensa nacional, o que ajudou a consolidar sua carreira junto ao público brasileiro.
Desde então, Cecília retornou sete vezes a Joinville, transformando-se num símbolo para as bailarinas que concorrem no festival. Outra grande emoção, foi vivida em 1992, quando Cecília dançou o grand pas-de-deux "Diana e Actheon", com o astro argentino Maximiliano Guerra. Foi o tipo de apresentação que, "quem viu jamais esquece e quem não viu não pode crer". Cecília e Maximiliano estavam no ápice da forma física, e fizeram a apresentação mais espetacular da história do festival.
Internacional
Bailarina brasileira mais requisitada, para apresentações internacionas, Cecília Kerche vem a Joinville logo depois de ter participado de um gala, na Alemanha, onde dançou com Maximiliano e o russo Alexej Dubunin, onde foi preciso abrir e fechar a cortina nada mais que 11 vezes para agradecer ao público, que não parava de aplaudir. Cecília ainda comemora seu retorno ao Ballet do TM, depois de três anos e meio afastada. Sua reestréia foi na recente temporada de "Giselle", espetáculo apresentado ontem no Festival.
Cecília e seu partner Herman Piquinn, já se apresentaram juntos em Joinville, ano retrasado, quando apresentaram o "Grand pas-classique". Piquinn, é um dos mais importantes bailarinos do Teatro Colon, de Buenos Aires (Argentina). A última vez que dançaram juntos, foi na Mostra de Florianópolis, em junho último.
A peça escolhida, para esta noite, gran pas-de-deux do balé "Esmeralda", é bastante conhecida em Joinville. Já foi apresentado em 1994, por Ana Botafogo e Linz Chang. Sua variação feminina é um dos mais recorrentes "cavalos-de-batalha" das bailarinas concorrentes no festival, sendo repetida inúmeras vezes a cada noite. "Esmeralda" é um balé romântico, de 1884, com roteiro e coreografia de Julles Perrot e música de Pugni. Baseado no romance de Vitor Hugo, "O Corcunda de Notre Dame", narra a infeliz história de amor de Quasímodo pela jovem cigana Esmeralda. O pas-de-deux que será apresentado por Cecília e Piquinn pertence ao segundo ato do balé, é o trecho em que a cigana dança com o poeta para salvá-lo da morte. "É uma versão francesa, muito charmosa, refinada e chique. Retrata todo o cavalherismo do rapaz e a feminilidade da garota, é extrememante técnico, mas também muito sensual", resume Cecília.
A apresentaçõ de uma peça de repertório clássico marca a primeira noite de competições da modalidade. A dança clássica vem ganhando espaço no Festival e, de uma " estranha no ninho", como poderia ser considerada há uns 11, 12 anos, hoje é uma das modalidades mais disputadas e de onde têm saído as últimas revelações do Festival. Revelações que tiveram, sem dúvida, Cecília Kerche como um espelho.

Encontro de Almas...




Onegin – A arte do movimento de um pincel sobre pontas

“Eugene Onegin”, sem dúvida é um dois mais belos momentos de inspiração na criatividade do compositor russo Tchaikovsky. Baseado no poema de Alexander Pushkin, que conta uma história romanesca do final do séc.XVIII na Rússia. De conteúdo altamente dramático, Tchaikovsky, retratou uma realidade particular, porém de forte identificação pessoal ao espectador.
Uma realidade passada em dois momentos: A vida no campo e mais tarde, numa grande cidade.
Seria o paradoxo da ingenuidade sentimental que se choca com a arrogância frívola?!
“Eugene Onegin”, é uma obra do sentimento. Uma retórica da consciência na liberdade individual trazendo a tona, o sentir de cada personagem, pois todo pensamento acompanha um sentimento.
Tchaikovsky, ao ler o poema de Alexader Pushkin, identifica sua própria realidade. Um ser humano que veio com o propósito de missionar à humanidade uma espécie de auto - entendimento. A música de Tchaikovsky é o percurso íntimo no interior de cada ser. É a luz e sombra que comporta e convive no aprisionamento corporal que todos temos, mas nada impede que pairemos como seres libertos através da sua melodia. Esse missionar de liberdade é a proposta visceral na música e na história contada por seus personagens.
Em uma época de grandes mudanças, onde predominava um forte sentimento nacionalista, Tchaikovsky não se limita a padrões enérgicos de patriotismo, sua liberdade de compor é resguardada, sem perder a noção ética aos seus compatriotas que buscavam libertar-se dos moldes da música ocidental e retornar ao folclore russo.
A temática do drama gira em torno de: Onegin, Tatiana, Olga, Lenski e o Príncipe Gremin.
Tatiana é uma jovem, cuja principal característica não está em ser sonhadora, mas na pureza de coração. Seu temperamento é maduro e reflexivo, pois sua realidade, não está no externo, mas no interior de cada pessoa de seu convívio, por isso, não se incomoda com as “provocações” de Olga, sua irmã e de suas amigas. Tatiana não percebe o que está a sua volta como imediato e definitivo. Ela consegue separar o efêmero do verdadeiro, daí tanto sofrimento e sensibilidade.
Olga possui um temperamento oposto, é impulsiva, agitada extrovertida.
Em sua casa de campo recebem a visita do poeta Lenski e de seu amigo Eugene Onegin, homem arrogante e frio. Enquanto Lenski seu amigo de temperamento doce e cordial declara seu amor por Olga, Onegin permanece distante em relação à Tatiana, que se sente atraída por uma personalidade tão misteriosa e intrigante como a de Onegin, e isso lhe dá coragem de escrever-lhe uma linda carta de amor.
Durante um baile oferecido pelo aniversário de Tatiana, Onegin corteja Olga para se vingar das observações desagradáveis que ouve a seu respeito. Furioso, Lenski provoca-o a um duelo. Ao amanhecer, Onegin mata seu amigo.
Anos mais tarde, numa festa na casa do Príncipe Gremin, Onegin reconhece uma mulher resplandecente. É Tatiana! Esposa do Príncipe Gremin. Este, radiante de felicidade e o recebe com todas as honras.
Onegin, revê o seu passado tão hostil e constata um presente vazio. Mesmo assim, seu fascínio por Tatiana o faz declarar seus sentimentos ainda trazidos do passado. Tatiana não nega sua paixão por Onegin, mesmo porque em sua transparência não conseguiria negar seus sentimentos, ao rever o grande amor do passado, mas reconhece que vive outra realidade. Casada e feliz ao lado de um homem que a ama, onde existe a reciprocidade de um sentimento mais maduro. Numa atitude definitiva e dolorosa, manda Onegin embora. Esse se afasta desesperado.

Ópera e Ballet: duas formas distintas de contar uma linda e comovente história de amor.
O coreógrafo John Cranko (natural da África do Sul – Rustenburg, em 1927 e faleceu em 1973) cria para o Ballet de Stuttgart - ONEGIN . que estreou no Brasil em 1979.
Em 2003 entrou para o repertório da Companhia de Ballett do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com reapresentação em 2004 e agora em 2006.
John Cranko, dá continuidade idéia de Tchaikovsky através da arte do movimento, criando genialmente um desdobramento virtual.
Onegin é um ballet de grande força teatral, pelas linhas e desenhos coreográficos comoventes na sua comunicação. Despertando a dramaticidade teatral de bailarinos, que contam de forma magistral este drama de sentimento.
A música rompe com um vigor de alegria entre metais e percussão, retratando o modo de vida de cada personagem.

Ao abrir da cortina, dois “mundos”, são apresentados em expectativas distintas.
Tatiana, uma imagem límpida do sonho e do romantismo: Uma jovem que mantém seus pensamentos introspectivos, sublimados, todavia sua irmã Olga destaca-se pela irreverência, realista e de um temperamento alegre.
Tatiana, não se sente agredida pelo que está a sua volta, pois o que a fascina é o seu próprio interior, a sua leitura reflexiva, que a faz “voar” e sonhar muito mais alto e longe do que as brincadeiras divertidas, de Olga sua irmã e de suas amigas.
Com chegada de Onegin o tema musical modifica o que vinha sendo narrado entre brincadeiras e puro divertimento na vida do campo. O tema musical anuncia um teor sombrio, até mesmo contendo uma certa frieza.
No momento em que Onegin e Tatiana dialogam, a música de Tchaikovsky reproduz uma grande expectativa por parte de Tatiana. Seus pensamentos divagam na tentativa de penetrar no interior daquela figura altiva, ao mesmo tempo hostil. Sua intimidade se identifica com esse mistério e contagia o espectador. Compõe-se um quadro de luz e sombra na sublime interpretação da primeira bailarina do Theatro Municipal - Cecília Kerche, na personagem Tatiana. Cecília se deixa levar pela música de Tchaikovsky na pintura desse quadro de luz e sombra. Sobre pontas, a bailarina empresta sua sensibilidade para ir pintando a imagem do interior da alma do compositor, Cecília Kerche percorre o mundo de sombras, mas sua arte ilumina o sentimento de Tatiana. Seu coração resplandece desejo de uma possível felicidade.

Cristiane Quintan, sua alegria e emoção ao viver a personagem Olga. Um temperamento extrovertido e alegre à bailarina de temperamento sorridente e de bem com sua arte. Cristiane e Olga se revezam, numa jovialidade “inconseqüente” e provocação adolescente. Numa qualidade bela extravagante de rebeldia romântica interpretada por Quintan.

O Corpo de Baile compõe esta linda festa, nos brindando com suas exímias diagonais, engrandecendo todo o espetáculo transportando o ambiente para a tela mental do espectador, que viaja para a época do folclore russo, deixando-se levar pelo entusiasmo e pela vibração contagiante.

A visita de Lenski - Vítor Luiz acompanhado por seu amigo Onegin. É a entrada triunfal esperada na vida de um primeiro bailarino - uma aparição em cena de grande expectativa para o público que já conhece a sua grandiosidade clássica. Vítor Luiz é um orgulho nacional, onde talento e arte transpiram categoria e simplicidade. Um personagem feito para ele. E ele o defende, apresentando sua técnica com toda dignidade que se espera de um primor de total nobreza: Um momento de dor e solidão, em que a música narra a melancolia, na sonoridade das trompas e na tristeza do oboé. O que estará por vir no destino desse poeta? O poeta Lenski possui um temperamento bem humorado, doce, às vezes lacônico. Sonhador no momento certo, galante e sedutor na medida exata. Acima de tudo leal, assim é o bailarino Vítor Luiz na sua profissão. Um artista leal na sua convicção de amor pela dança. Um poeta também na arte do movimento. Lenski sofre, se despede da vida independente do seu destino, pois jamais pensaria num desfecho trágico do seu amor por Olga e sua amizade por Onegin.
Vítor Luiz, responde com sua arte em melancolia e desencanto da própria vida. O poeta Lenski se despede, o intérprete Vítor Luiz perpetua seu talento em nossos corações.
Onegin é a sombra de um ser humano egocêntrico e hostil. Incapaz de corresponder à docilidade de um sentimento puro, porque somente conhece a frieza da sua arrogância. Sua personalidade, reproduzida pelas cordas: Cellos , violinos e a sutil fatalidade conduzida pelo solo da flauta, mantendo sempre o clima sombrio.
Francisco Timbó na figura de Onegin transmite a segurança de um artista experiente e dedicado ao seu trabalho. Onegin é hostil, conflituoso. Não entende o significado de um amor puro verdadeiro, intenso somente a dor o torna mais sensível, numa condição em que a vida e o tempo não voltam atrás. Francisco Timbó tem total consciência desse amargor de seu personagem e faz memória ao público que acompanha sua carreira vivenciando personalidades marcantes, com a dedicação emocionada de um artista por sua arte.
Tatiana é a personalidade que Tchaikovsky admira, por sua coragem e ingenuidade, pois o amor é ingênuo e essa personalidade se funde na persona da Primeira bailarina – Cecília Kerche. Sua elegância clássica é um talento, que desperta admiração e reverência, pela categoria inigualável de sua arte, assim como Tatiana. Uma jovem, que não apenas escreve uma carta de amor, mas a coragem de uma mulher apaixonada, que não mede as conseqüências do seu ato.
Tatiana, ao se ver no espelho percebe a dimensão do seu sonho, que adquire uma realidade palpável no momento dramático da orquestra; Cecília responde a essa emoção, que conduz a temática do drama, desfrutando da força interpretativa da bailarina. Um momento forte, de vibração tênue, ao mesmo tempo arrojada. É a sensibilidade estética de Cecília Kerche que vem à tona em ballets fortes como Onegin. Cecília reúne: emoção, interpretação e movimento, numa forma lúdica em que a platéia recebe e decodifica como arte=beleza.
Tempos depois o drama de Pushkin, dá uma resposta à vida.

O príncipe Gremin interpretado por Carlos Cabral, um partner de natureza clássica, um bailarino que ama a sua arte, com o mesmo respeito e felicidade que seu personagem nobre tem por sua esposa Tatiana.
Que grande emoção alicerçada pelo teor musical romântico, melancólico que resulta num misto de força entre paixão e amor. É a maturidade artística de uma das principais bailarinas internacionais, amparada pela correspondência clássica de um bailarino de arte refinada, uma delicadeza suave respeitando a sua liberdade de movimento. É o cortejar musical triunfante da nobreza e da sensibilidade de Carlos Cabral, que docemente se entrega à realeza instintiva de Kerche.
A Obra de Pushkin adquire uma capacidade verídica não apenas por falar de “sentimento”.
O sentimento de decepção de Tatiana em relação a Onegin logo após a tragédia de vê-lo matar o noivo de sua irmã, recai sobre ele o ressentir de um passado, onde acumulou vazio e em seu presente, remorso.
Tatiana ao rasgar a carta de Onegin rompe com a platéia toda dor de um passado que ela não tem como apagar.
O chamado – “Leitmotiv” criado por Wagner, não aparece formalmente na música de Tchaikovsky, Todavia, entre a forma lúdica e genialidade na execução, interfere na criação do compositor que se deixa levar pelo “Leitmotiv” composto na construção da personagem Tatiana – e é Cecília Kerche quem reconta e conduz este drama. Sua estrutura de identificação sensível à personagem é tão verídica e harmonicamente tão bem assimilada que ultrapassa a formalidade musical de Tchaikovsky, criando uma identidade de força e romantismo. Já não presenciamos apenas a história apaixonante de Tatiana, mas a vivenciamos na liberdade artística criativa no suavizar de um pincel sobre pontas, na tela do imaginário do espectador, que contempla com emoção a arte de Cecília Kerche.



Wellen de Barros
17/11/06

Homenagem especial...


Cecilia Kerche – A lágrima de Tchaikovsky no movimento
A temporada do ballet “O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky contou com a experiência e sensibilidade da bailarina e coreógrafa russa - Yelena Pankova d’après Marius Petipa e Lev Ivanov.
Numa proposta mais etérea, onde a metamorfose do compositor da obra no personagem de Odette/cisne, busca a força representativa do corpo de baile durante todo tempo, culminando no imaginário coletivo a que se propõe Tchaikovsky na figura de Odyle.
Uma estréia memorável, seguindo a tradição dos grandes teatros internacionais, principalmente na delicadeza e sensibilidade de seus idealizadores, ao homenagear três personalidades do ballet brasileiro e internacional: Aldo Loutufo, Bertha Rosanova e Cecília Kerche.
Um bonito programa de homenagem distribuído logo na entrada do Teatro, oferecendo ao público uma rara oportunidade de testemunhar o reconhecimento de um trabalho digno e que dá muito orgulho aos brasileiros.
Uma platéia feliz, artistas que vieram prestigiar, recordar, abraçar seus amigos artistas do palco e mais o público anônimo fiel, verdadeiro responsável pelo reconhecimento de seus ídolos.
Um elenco de solistas e corpo de baile, fazendo eco a seus colegas homenageados.
Marcelo Misailidis que, na interpretação carismática do feiticeiro Von Rothbart, é o manifesto claro e ao mesmo tempo simbólico do poder manipulador. Uma presença de admiração e hostilidade.
Rodrigo Negri, num virtuosismo cômico e solitário do seu personagem, é a imagem nítida do “bôbo” da Corte, muito atual.
Com a dignidade de um lord, Vítor Luiz na sua interpretação ilumina, o destino de Sigfried, seu personagem - um jovem fragilizado pela imponência de uma família aristocrática. É um talento clássico, natural a um primeiro bailarino, com movimentos precisos e a suaves no acabamento da sabedoria dos deuses...
Uma nobreza límpida trazida extra-palco, que auxilia seu personagem no encontro da maturidade interior. Esta maturidade de sentimentos de Vítor Luiz, resulta na audácia da entrega ao seu personagem, numa sinceridade tardia, porém remediável a seu arrependimento, para encontrar a verdadeira felicidade, ultrapassando a morte.
Simplicidade, beleza, talento e determinação, alguns atributos indispensáveis a carreira de um verdadeiro “príncipe” guiado pela corte celeste.
Para celebrar uma noite de homenagem, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, ninguém melhor do que o mestre romântico, Tchaikovsky para com sua sensível genialidade em decodificar a alma humana, nos fazer refletir, sonhar, emocionar e transformar-nos.
O Theatro, para tanto, conta com a presença de sua diva maior - Cecília Kerche, considerada melhor intérprete de Odette/Odyle nas últimas décadas. Compositor e intérprete se complementam num mundo pessoal e coletivo, transfiguram a própria divindade.
Era muito comum na época de Tchaikovsky haver uma espécie de parceria entre compositor e coreógrafo. Aqui, porém, estabeleceu-se mais do que uma parceria entre compositor e bailarina. Firmou-se uma identidade intransponível.
A performance de Cecília Kerche, ao interpretar as personagens Odette/Odyle, faz brotar nos olhos do espectador a lágrima de Tchaikovsky através da sua emoção.
É a liberdade interior do ser humano. Cecília Kerche que conduz uma espécie de auto-revelação do compositor, compreendida de forma natural pelo público, que presencia esse diálogo, tão particular: A dor conflituosa do aprisionamento humano pessoal, de Tchaikovsky e a emoção de Cecília.
O lirismo da sua personagem Odette, lindamente descrita por um belo fraseado musical visível através de seus movimentos, faz-nos entender a plumagem da ave incorporada a uma tristeza secreta de sua alma de cisne.
É a metáfora do ser humano solitário cercado de angústia e medo.
Essa mesma liberdade interior da intérprete capta o universo imaginário coletivo que Tchaikovsky expõe sobre poder e manipulação, onde sedução e arrogância dão lugar a egoísmo e arrependimento.
Na personalidade de Odyle compreende-se o arquétipo de dualidade existente no ser humano. A sensibilidade da artista/bailarina, surpreende com a clareza formal e inquietante do simbolismo psicológico, que é narrado através do virtuosismo de máxima intensidade expressiva por sua dramaticidade.
Assistimos a um diálogo entre almas, num profundo entendimento da busca de sentido entre liberdade interior e aprisionamento humano. Metamorfose pessoal em poesia musical, narrada em grau de excelência na arte de Cecília Kerche – a lágrima de Tchaikovsky no movimento.
Wellen de Barros


20/09/06



*publicado no site http://www.elianacaminada.net/

Encontro de Almas (parte I)

Onegin

A principal Companhia de ballet do país, que é a Companhia de Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro encerra a temporada do ano de 2003 contemplando seu maior patrimônio cultural - seus integrantes.
Pode-se dizer que é uma grande e merecida homenagem viver a personagem Tatiana para uma diva internacional do ballet no Brasil : CECÍLIA KERCHE.
Uma personalidade da dança vivendo o drama de um dos mais respeitados escritores russos do séc.XIX Alexander Pushkin.
“Eugene Onegin” propõe à humanidade, uma reflexão sobre: sentimento e ressentimento, egoísmo e generosidade, destino e fatalidade.
A temática desse drama está na impossibilidade de escapar de um destino adverso; a dificuldade em atingir a felicidade e uma ambigüidade das relações sentimentais entre pessoas predestinadas ao sofrimento.
A tragédia de Tatiana assemelha-se ao destino cruel e fatal de Tchaikovsky ambos marcados por uma vida nostálgica de uma “impossível felicidade”. Tatiana é o espelho por onde Tchaikovsky se reconhece.
Cecília Kerche – um perfil de bailarina russa, considerada por Natalia Makarova como melhor Odette - Odile do mundo, faz a tradição do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Nessa temporada de Onegin tivemos emocionantes atuações não só referente à personagem principal,
mas tivemos uma atuação jovem e significativa de Bruno Rocha como Lensky e Cristiane Quintan no papel de Olga.
Francisco Timbó vivendo Onegin, dedicação e entrega para viver um grande personagem..
Um momento feliz e de grande emoção nesse ballet é a atuação de Carlos Cabral no papel do Príncipe Gremin, um verdadeiro nobre protegendo uma diva, no Pas- de- Deux do terceiro ato - uma cena linda!
E o corpo de baile, com diagonais perfeitas, enobrece esse espetáculo com uma atuação impecável.



Cecília Kerche: Uma brasileira de coração eslavoCecília Kerche empresta sua elegância clássica para viver a personagem mais amada por Tchaikovsky.
Seu percurso em Tatiana é comovente tamanha afinidade de ambas, e sua aparição logo no primeiro ato nos conduz a atmosfera do temperamento russo de sua personagem.
No monólogo da carta, momento alto desse ballet., essa brasileira de coração eslavo, através do sonho de sua personagem, transmite o que Rudolf von Laban chama de: movimento – pensamento – sentimento.
A expectativa de Tatiana em relação ao amor de Onegin, a exaltação e a melancolia, são vividos não apenas no desejo de sua personagem, mas no que se passa na alma de Tchaikovsky.
Cecília Kerche é naturalmente fiel à concepção de John Cranko sobre o drama de Pushkin, sem perder o romantismo evolvente da música de Tchaikovsky.
No terceiro ato, a maturidade de Tatiana revivendo o passado e renunciando ao futuro, é o ápice da maturidade da intérprete que atualiza uma fatalidade.
Uma bailarina profundamente comprometida com sua arte usufrui de uma sensibilidade estética que norteia sua performance.
Solidão sublimada na vida real, amor eterno na ficção - esse é o destino de Tatiana.



Wellen de Barros
Cantora Lírica do T.M.R.J
13/12/2003


* artigo publicado no site: http://www.portaldafamilia.org/

Críticas publicadas

CECÍLIA KERCHE: A CRIAÇÃO Eliana Caminada Não resta a menor dúvida de que o nome e a bailarina Cecília Kerche dispensam elogios; sua dança é reconhecida demais, sua fama ultrapassou fronteiras e a coloca acima de opiniões que não passam disso: meras opiniões. Entretanto, não pude me furtar a falar sobre sua atuação no espetáculo "A Criação" de Uwe Scholz, levado à cena pelo Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio. O espetáculo impressiona assim que a cortina se abre e diante dos olhos do espectador surge o palco do Municipal totalmente aberto, com sua urdidura, suas varandas, seu vitral, suas "pernas", coxias, portas, janelões. Lindo, profundamente lindo porque... Ah, não sei explicar porque amo palco de grandes teatros totalmente despojados de seus recursos, de sua magia. Paradoxo: nessa hora é que se vê o quanto essa magia existe e o quanto é, ao mesmo tempo, real. A solução está longe de ser original; contudo, nunca envelhece. Foi exatamente assim que Oscar Araiz encenou Magnificat de Bach na primeira - e muito mais bela - versão montada para nós em 1974; lembro-me de que eu e Aldo Lotufo, com quem eu tinha o privilégio de dividir o palco, ficamos envolvidos pela atmosfera que emanava daquele lugar. Mas Uwe Scholz vai adiante, tem mais recursos e um vocabulário de infinitas possibilidades. Essa não é uma primeira impressão da obra desse coreógrafo que morreu tão moço. Neoclássico? Contemporâneo? Atual e ponto. Rótulos importam? Para que? Para quem? A companhia inteira trabalhando à vista do público é outra visão que amo sinceramente, ou seja, percebi que com aquela música divina e essa introdução a noite seria maravilhosa. E foi! Foi uma das grandes noites do Corpo de Baile, dessas que a gente pensa que nunca mais vai acontecer e milagrosamente acontece. Vieram os solistas - como temos bons bailarinos. Mais do que isso: o Corpo de Baile, quando bem aproveitado, deixa claro que está vivo, que tem garra e que tradição faz diferença. Quero sim, dizer com isso, que temos uma tradição, reconheçam ou não, e que ela precisa ser preservada, cultivada e objeto de orgulho. O espetáculo vai acontecendo, bonito, pura harmonia. Novo quadro. Uma bailarina começa a se movimentar. Eric, meu marido, me disse - ele nunca vê programa antes do espetáculo: "Eliana, é Cecília Kerche". Do Aurélio: Integrar (do lat. Integrate) V.t.d. 1. Tornar inteiro, completar, inteirar, integralizar... Creio que a própria palavra define a participação de Cecília em A Criação. Fiquei sensibilizada. Ali estava, integrada, ligada, re-ligada a seus companheiros uma das maiores bailarinas que o Brasil já produziu, um de seus maiores mitos. Generosa, emprestou seu brilho pessoal, sua experiência e seu carisma justamente quando o Corpo de Baile mais precisa dela. O momento do ballet é um privilégio e Cecília, distante de clássicos de repertório, se revelou mais do que grande bailarina: uma grande personalidade. Não sei o que ela mesma sente dançando A Criação. O que transmite? Também não sei dizer, as palavras têm seus limites. O que senti com clareza foi o que o peso de sua presença influenciou de tal modo a encenação que, quem sabe? entendi tudo o mais: a presença feliz da companhia dançando como tal, como um conjunto de artistas que ama aquela casa e a opção por aquela vida. Mais tarde, refletindo, pensei em coisas de bailarina mesmo. Será que os colegas de Cecília já pararam de olhar o óbvio, suas pernas e pés, e olharam para a beleza de seus braços e de suas mãos? Conselho não se dá, mas hoje estou contrariando o bom senso. Pessoal, olhem para cima para verem o fundamento que faz da bailarina Cecília o que ela é. Ou jamais entenderão porque nem todo bailarino com perna alta, pés lindos e giros fáceis desenvolvem carreira solo. Enquanto um bailarino não encontra a maturidade implícita no acabamento, personalidade e beleza de seus movimentos, movimentos entendidos pelos braços e pelas mãos, não pode considerar que ultrapassou o estágio de excelente aluno adiantado ou de grande promessa. E por incrível que pareça, há bailarinos que terminam sua vida de performers e não atingiram esse estágio maior, acima de marcas atléticas, imprescindíveis para festivais, quase acessórias quando o que está em jogo é o intérprete. Não por acaso, interpretar "A Morte do Cisne", que tem pas-de-bourré, primeiro passo que executamos na ponta, como passo básico, é tão absolutamente difícil; é uma obra-prima, na qual poucas bailarinas se consagram e quando conseguem, em geral, não estão muito jovens. Lembrei-me de Cecília este ano em Joinville, homenageada e integrante da banca de jurados de clássico, como eu, João Vlamir, Ismael Guiser e Tíndaro Silvano. Impressionou-me, então, sua preocupação em ser brasileira, em assumir orgulhosamente o papel de embaixatriz brasileira da dança; tocou-me percebê-la encantada com as lindas crianças preparadas exclusivamente por professores da sua terra; aprendi vendo-a orientar candidatos, transmitindo o que tem recebido de mestres consagrados e internacionais sem esquecer, por um momento sequer, de que é uma bailarina brasileira e de que foi assim que ela conquistou seu lugar no mundo. Inclusive na Rússia. Saí do Theatro com a velha sensação de felicidade tantas vezes sentida; com a convicção de que o Corpo de Baile sempre renascerá. Já o chamei de Phoenix e a mesma imagem me veio à cabeça outra vez. Veio-me a firme convicção de que precisava registrar esse momento do jeito que posso e que sei. Aqui está: Cecília Kerche, receba minha homenagem, não apenas por esse momento, mas pela sua trajetória de vida. Aos companheiros de profissão e amor à dança: parabéns e obrigada. Valeu!!!